O Sequestrador de Alegrias Cotidianas
- ricardo08850
- 2 de jul.
- 4 min de leitura

Por Ricardo de Faria Barros
Texto inspirado no artigo de Paula Roosch: "Cuidado com o Ladrão da Alegria", publicado na Revista Vida Simples.
Dona Zulmira é uma longelescente clássica: cabelo prateado, sorriso que já plantou muita goiabeira e derrubou muito abacate do pé. Costuma ir à hidroginástica três vezes por semana, cuida da mini-horta de temperos na varanda e ainda arranja tempo pra dançar forró na AABB aos sábados. Mas há algo que a gente precisa confessar: Zulmira anda em perigo.
Não por causa da artrose, da inflação ou da filha que nunca responde no WhatsApp. O problema de Zulmira é outro: ela foi assaltada pela amargura.
Tudo começou com um episódio aparentemente simples. No aniversário do neto da vizinha do 204, Zulmira levou sua famosa travessa de vidro, aquela de estimação, herança da sogra, onde sempre prepara seu “doce de caju com coco queimado”. Deixou a travessa lá, sorridente, satisfeita por ter feito sucesso. Mas um mês se passou, e a travessa não voltou.
Acontece que, naquela quarta-feira ensolarada, Zulmira queria preparar seu famoso peixe ao molho de camarão, que só funciona naquela travessa. Procurou aqui, procurou ali, e então se lembrou: “Tá com a Neide do 204.” Desceu, bateu. Nada. A vizinha viajou. E então... pronto: algo dentro de Zulmira azedou.
Começou com um leve incômodo, mas logo virou tempestade. “Já faz um mês! Um mês, minha gente! Quem guarda a travessa dos outros por um mês?!” Andou resmungando sozinha pela casa. O peixe ficou para o dia seguinte, feito em assadeira improvisada. Mas a leveza, essa, não voltou.
Foi aí que ele entrou: o tal Ladrão da Alegria. Disfarçado de travessa sumida, infiltrou-se pelos pensamentos de Zulmira como quem entra em casa pela porta dos fundos. E começou seu trabalho sorrateiro, como descreve com maestria a jornalista Paula Roosch: instalando pequenas ranhuras na paz cotidiana, dando corda às ruminações.
A Psicologia Positiva chama isso de pensamentos intrusivos e recorrentes. São aqueles que colam na mente como chiclete na sola do sapato. A pessoa nem percebe, mas passa o dia inteiro com a emoção contaminada. Como se uma nuvem estacionasse sobre o humor e ali resolvesse morar. Uma única travessa desencadeia o “climão geral”: intolerância, irritabilidade, exigência com tudo e todos. Até o café ficou “fraco demais” e o neto “barulhento demais”.
Esses pensamentos grudam, criam ambientes mentais rígidos, cheios de cobrança, de dosagens emocionais fora da realidade: fazem de uma travessa um tratado internacional. Tomam o lugar das alegrias breves: a flor que nasceu na horta, o WhatsApp da neta, o café quente, a manhã sem dor nas articulações. Tudo isso é engolido pela “raiz da amargura”.
Aliás, a Bíblia já advertia em Hebreus 12:15:
“Cuidem para que ninguém se exclua da graça de Deus. Que nenhuma raiz de amargura brote e cause perturbação, contaminando muitos.”
E contamina mesmo. A neta Mariana, que antes adorava passar as tardes com a avó, agora diz que “ela anda meio ranzinza, sabe?”. O grupo da AABB já sente falta da Zulmira que contava piadas e dançava até com os novinhos de 70. Até o entregador da feira reparou: “Hoje a senhora nem deu bom-dia.”
A longelescência, esse renascimento tardio com gosto de liberdade, exige vigilância emocional. Não é feita só de pilates e vitamina D. É feita de escolha diária. E, entre elas, talvez a mais importante seja: não deixar a mágoa roubar o palco.
Dona Zulmira, depois de um chá com sua amiga Idalina (que não tem papas na língua e disse:“Ou você perdoa a travessa ou compra outra no mercado, minha filha!”), começou a desconfiar do golpe emocional que tinha sofrido.
Riu. Riu de si mesma. Mandou mensagem para a vizinha:“Esquece a travessa, Neide. Fica com ela e faz um pudim. Um dia desses vou aí provar.”
Na semana seguinte, estava de volta à hidroginástica, contando piada e dizendo que “mosquito só vai pra horta de quem anda com cara amarrada.”
🌿 A longevidade plena exige vigilância emocional.
É sobre escolher onde direcionar nossa lente mental.Sobre não entregar as chaves do nosso contentamento ao Ladrão disfarçado de pequeno incômodo.
🛡️ O Antídoto? Consciência + Ação Positiva
(Inspiradas na Psicologia Positiva)
Quando sentir o Ladrão se aproximando (aquele friozinho de irritação por algo pequeno), RESPIRE FUNDO e experimente estas:
😄 10 DICAS PRA NÃO ENTREGAR SUA TRAVESSA AO LADRÃO DA ALEGRIA 🥄 Não misture tudo de uma vezAntes de jogar todos os temperos do dia num mesmo drama, experimente separar os ingredientes. Às vezes, é só saudade da travessa — não precisa virar um banquete de aborrecimentos.
🍛 Use outro recipiente emocionalSe a travessa está na casa da vizinha, improvise. O importante é o conteúdo da vida, não só o recipiente. Use o que tem: afeto cabe até em prato raso.
🧂 Cuidado com a dosagem do sal da mágoaUm pouquinho já tempera. Mas exagerar amarga tudo. Reflita: será que essa chateação não está salgando o restante da sua receita de bem-estar?
🍽️ Sirva-se primeiro de paciênciaAntes de cobrar da vizinha, da vida ou do neto, sirva-se de uma colher generosa de paciência. Ela é o azeite da longevidade plena.
🍬 Não deixe uma sobremesa virar tragédia gregaUma travessa sumida não merece virar novela. Às vezes, a vizinha só se atrapalhou. Respire. O açúcar ainda está aí — dentro de você.
🔄 Lave os ressentimentos como se lava uma travessaCom água, sabão e movimento circular. Esfregue até sair o grude. E enxágue com compaixão.
🥘 Foque na próxima receitaNão perca o almoço de hoje pensando na sobremesa de ontem. A vida vive servindo novos pratos.
🧺 Tenha travessas de reserva — emocionais e reaisA flexibilidade é um tipo de louça interna. Quem tem variedade não fica refém de uma única forma de servir a alegria.
🔔 Lembre-se do propósito da refeiçãoO objetivo não era comer juntos, celebrar, rir? Uma travessa a menos não pode levar isso tudo embora.
🧠 Na dúvida, diga: “Pensamento, você não é a travessa da minha alegria!”Se um pensamento insistente surgir, lembre-se: ele é só um utensílio da mente — você é quem escolhe o que servir.
Para muitas coisas que te aborrecem, coisas miúdas do cotidiano, apenas troque a receita, por uma que não precise da travessa, e vida que segue! #ficaadica


Pior que essas rachaduras emocionais são inevitáveis. Por mais leve que se leve a vida, por mais que relevemos o vacilo alheio, o ressentimento está sempre nos espreitando, trazendo os fardos de ontem pra mesa do café da manhã. Um hora a gente aprende… (Hayton Rocha)